quinta-feira, 18 de julho de 2013

Preferiria não fazer

Ah, Bartleby! Ah, a humanidade!
Essas são as duas últimas frases do conto de Herman Melville, "Bartleby, o escrivão".
E estão ecoando para sempre dentro de mim.

Imagine você: seu chefe lhe pede algo como, sei lá, escrever a ata de uma reunião. E você, com toda calma e seriedade do mundo, responde a ele "Preferiria não fazer".
Assim é Bartleby.
Ao usar enfaticamente a expressão "I would prefer not to" (que algumas traduções apresentam como "Acho melhor não"), o personagem quebra completamente a expectativa de seu chefe advogado. Que não sabe como reagir. Que fica confuso. Que tem vontade de socar a cara de Bartleby e só não o faz porque o julga uma criatura honesta e extremamente passiva. "Se houvesse alguma inquietude, raiva, impaciência ou impertinência em seus modos, sem dúvida eu o teria demitido bruscamente do meu escritório".

Há tantas coisas que podemos preferir nesta vida. Fazer um trabalho chato certamente não é uma delas.
E aí está toda a força do personagem: ele não recusa o trabalho; ele só afirma que preferiria não fazer. Como obrigar alguém a preferir algo?, me diga, por favor.
...........

Meu primeiro emprego, enquanto ainda cursava a faculdade, foi de atendente de telefone em uma já extinta empresa telefônica. Eu tinha uma chefe mais ou menos boazinha: mais porque sempre me chamava para um café, conversava amigavelmente comigo, se interessava por mim; menos porque vivia me pedindo coisas extras para fazer, além de minha simples função de atender telefonemas.
Um dia, decidi que não queria ir trabalhar. E não fui. No dia seguinte, a chefe veio até mim e perguntou o motivo de minha falta. Não me dei ao trabalho de inventar uma mentira. Nem de contar alguma historinha triste para me justificar (e olhe que, na época, historinhas tristes não me faltavam).
"Porque eu quis", foi o que lhe respondi. Percebi que essa resposta a desconcertou completamente. E ela ficou alguns bons segundos parada, olhando pra minha cara (de pau, ela devia estar pensando) até que eu tomasse a iniciativa de voltar ao meu trabalho.
Nunca mais tocamos no assunto. E ela continuou do mesmo jeito, mais ou menos boazinha.
Talvez o fantasma de Bartleby tivesse baixado em mim naquele momento. Ou o do chefe advogado e narrador do conto tivesse baixado nela.
Vai saber.

O fato é que Bartleby é um personagem fascinante. E muito esquisito. E que com uma fala esquisita coloca todos a sua volta em situações igualmente esquisitas.

Enfim, um texto fantástico. Que você deveria ler. Mesmo não preferindo...

Ah, Bartleby.
Meu herói.
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2 comentários:

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  2. "Como obrigar alguém a preferir alguma coisa?" Genial, Pri! Realmente! Mas que eu jamais falaria essas coisas pro meu chefe, ah, não falaria! HAHAHA

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