domingo, 14 de dezembro de 2014

Um livro especial

Li muito este ano. Sei que muito é algo bastante relativo, ainda mais quando se trata de leitura. O que quero dizer é que, além do meu trabalho do ano todo que envolveu muita leitura, eu li 30 livros.
Bastante coisa boa. E algumas porcarias.
O que é positivo, quando se coloca na balança.
Não farei aqui uma booklist com as estrelinhas que dei a cada um dos livros lidos. Mesmo porque isso eu já faço para mim mesma.
Mas, quero destacar uma descoberta bem significativa.

Pela primeira vez, li romances em quadrinhos. E me apaixonei.
Um deles, dentre os cinco desse tipo que li, considero o melhor. Porque foi o primeiro. Porque tem uma escrita bem inteligente. Porque as ilustrações são um primor. Porque me abriu algumas portas.

Você é minha mãe?, de Alison Bechdel, é da Quadrinhos na Cia. Comprei sem querer, durante uma ida à locadora (sim, sou do tipo que ainda vai a locadoras. Mesmo que seja para sair de lá com um livro, ao invés de um filme).

A história narra a trajetória da autora (o livro é autobiográfico) na compreensão de si mesma, a partir da relação dela com a mãe. A narrativa é toda feita por um viés psicanalítico, com base nas teorias de Freud, Winnicott e Alice Miller.
A tentativa da personagem de se resgatar através da história dela com sua mãe é tocante. E profundamente sincera.
Em busca de respostas e de outras perspectivas, Alison nos inquieta e nos convida a vasculhar também as nossas próprias histórias. Como filhas e, principalmente, como mães.

Foi o que fiz. O que estou tentando fazer, aliás. Li e reli muita coisa de Freud e Winnicott. Já Alice Miller foi um achado. Nunca tinha ouvido falar dessa psicanalista polonesa que teve sua obra toda dedicada ao estudo de como os maus-tratos às crianças contribuem de forma expressiva a todas as dores do mundo. Ainda estou trilhando o caminho dessas leituras. Quanto mais eu leio, mais percebo o quanto ainda há para eu ler e isso me angustia um pouco. Mas de um jeito bom.

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Em um certo momento, Alison, em busca da aprovação de sua mãe, mostra a ela o rascunho do livro que está escrevendo (o livro que estamos lendo, na verdade). A mãe demora muito para lhe responder e, quando finalmente responde, diz algo do tipo Bem, não foi nada disso. Mas, se esta é sua percepção dos fatos, não posso fazer nada.

E acredito que seja assim mesmo. Nossas relações estarão sempre fundamentadas pelas percepções do outro. Não temos como interferir nisso.
Por mais que tentemos acertar com os filhos, inevitavelmente erramos. E são nossos erros que constituirão de forma mais consistente os sujeitos dessa relação tão rica e complicada entre mãe e filho.
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Meu livro todo cheio de marcações :)



quinta-feira, 6 de março de 2014

Nosso coração de pedra-pomes

   "Sem romance as pessoas se tornam esquecíveis. E o ser humano só não é insuportável numa situação: quando nos apaixonamos por ele”.
Lawanda Escapulária

Nunca fui de grifar livros, colocar post-its ou fazer anotações nas margens. Uma aflição de marcá-los para sempre.
Vivo relendo meus livros e me imaginava olhando uma frase grifada e pensando "por que catzzo marquei isso aqui mesmo?".
Pois bem. Tudo mudou com "Meu coração de pedra-pomes".

Lawanda tem 19 anos, trabalha como faxineira em um hospital (graças ao sistema de cotas para deficientes), coleciona besouros, costura borboletas na calcinha, inventa macumbas e presta serviços clandestinos aos pacientes. É agitada, tem uma sexualidade bastante exacerbada, não tem pudores e, muitas vezes, é bem nojenta.
Através de sua visão de mundo (é Lawanda quem narra a história), conhecemos a personagem e a sua vida que - assim como seu uniforme - é tão sem predicados.

Foram duas tardes de leitura e uma infinidade de marcações e anotações ao longo da história. Não por ela ser profunda. Não é.
Mas é irreverente. E diverte. E faz pensar sim, por que não?
Por exemplo, eu poderia elaborar um estudo comparativo entre Lawanda e Macabéa. Mas não vou porque 1) estou com preguiça, 2) isto não é um ensaio literário e 3) Clarice para mim é sagrada e tenho medo de cometer um ato profano com a comparação.
De qualquer forma, assim como Macabéa (e agora sem medo de afirmar), Lawanda não é uma personagem para ser apenas lida; deve ser sentida.
E eu a senti. Bastante.

Lawanda, a louca de pedra-pomes.

Talvez sua deficiência seja a de pensar demais. Sobre cada detalhe da vida. Sobre como abraçar seus próprios tormentos enquanto esfrega incansavelmente o chão do hospital. Já que não há mistério por trás da sujeira visível.
O mistério. Ele fica ali, escondido na sujidade que se acumula nos cantos mais recônditos (da alma?), livre da vassoura dos outros.
E da nossa própria.
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Meu coração de pedra-pomes. Todo marcado ;)