terça-feira, 2 de abril de 2013

Um biscoito, um cigarro e nada mais


Há quem deteste ficar parado no trânsito. Eu gosto. Gosto porque fico encarando as pessoas do carro ao lado - ainda que nem me dê conta disso na hora -, porque posso observar sem pressa a rua, imaginar a vida de quem passa por ela - pela rua e pela própria vida - e posso, sem medo, me perder em meus pensamentos.
E ontem, parada no trânsito, foi um pedinte bastante singular que me trouxe de volta à realidade. Ele se colocava em frente aos carros e fazia um gesto com as mãos, aquele gesto com o polegar e o indicador que significa “um pouquinho”. Eram quatro filas de carros e ele ia andando em zigue-zague, parando em frente a cada um dos veículos. Não insistia, não ia ao vidro do motorista, não dizia nada. Apenas parava e fazia o gesto.
De repente, vi que um dos carros abriu o vidro. A mulher estendeu ao pedinte um pacote de biscoitos. Ele pegou o pacote, tombou-o em sua mão até que lhe caísse um biscoito e devolveu o pacote. Outro carro também abriu o vidro e o motorista lhe estendeu um maço de cigarros. O homem, da mesma maneira, pegou o maço, retirou um cigarro para si e devolveu o restante ao motorista.
Fiquei com vontade de também dividir algo com aquele homem. Mas a única coisa mais de uma que eu tinha no carro eram meus filhos. E não achei uma boa ideia dar um deles para o pedinte. Conformei-me, então, em somente observá-lo.
E ele, com seu biscoito e seu cigarro, sentou-se na calçada e cruzou as pernas. Mordeu pequeno o biscoito e deu uma longa tragada no cigarro. Parecia tão satisfeito. Como se ali, naquele momento, toda sua vida estivesse fazendo sentido. E talvez estivesse mesmo. Porque tinha um biscoito e um cigarro que lhe foram divididos. E, às vezes, tudo o que precisamos na vida é saber que sempre haverá alguém para dividir com a gente. Mesmo que seja um biscoito e um cigarro.
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Yoko Furusho: Children living on the clouds

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